João Bosco é médico cardiologista renomado na região e vem surpreendendo pelo crescimento político perante cargos eletivos. Após uma campanha modesta para deputado estadual, usando de poucos recursos e alcançando quase 20 mil votos, seu nome ressurgiu como candidato natural do PT (Partido dos Trabalhadores) para as próximas eleições municipais. João Bosco não é um aventureiro político. Desde os tempos de universidade esteve envolvido com o PT como militante, desde a sua fundação em Minas Gerais, e em movimentos estudantis de esquerda. Numa conversa descontraída na sua casa, em janeiro, ele nos falou de família, estudos, anseios, trabalho e de como a política entrou em sua vida. O relato que segue é totalmente baseado nas informações colhidas durante a entrevista.
 Infância e juventude
Do menino João, nascido em Campos Altos, interior de Minas Gerais, ele nos fala com certa nostalgia. Lembra que passava o tempo brincando, na marcenaria do avô João ou numa pequena plantação de café nas terras do pai, também João, hoje morador de Teixeira de Freitas. Menino livre do interior, fabricava seus próprios brinquedos e tinha também certas responsabilidades não muito prazerosas. Ele e os irmãos eram responsáveis pela recata do café que sobrava no chão após a colheita. Na época eram três crianças na casa. Depois vieram mais três. A mãe, Atalice, torrava esse café para o próprio consumo e para vender o que sobrava.
Desde pequeno sonhava em ser engenheiro civil (talvez influência do pai que era pequeno construtor), e foi nesse intuito que saiu de Ipatinga/MG, onde morava com os pais, e se dirigiu a Campinas/SP, sozinho, aos 20 anos, em busca dos seus sonhos. Morou numa pensão para estudantes e trabalhou como ajudante de pedreiro e depois como carpinteiro numa obra em um bairro de periferia, onde o engenheiro chefe era uma espécie de capataz de construção – rude e grosseiro com os trabalhadores. Apesar de um teste vocacional apontar a Engenharia Civil como primeira opção, João Bosco, desiludido, queria algo novo para sonhar. Convivia diariamente com estudantes de medicina e aquele ideal o conquistou.
Segundo grau incompleto (sempre em escolas públicas), mala cheia de sonhos, ele se submeteu aos exames do curso supletivo. Levou três anos entre cursinho e eliminação das matérias no supletivo.
Aquele jovem que fora vendedor de verduras nas ruas, ajudante de pedreiro, motorista e marceneiro, não se deixou abater pelas dificuldades. Sempre foi à luta e venceu todos os obstáculos. Trabalhou duro para sobreviver e custear os estudos. Conviveu com o desapontamento de uma marmita estragada na hora do almoço, com a falta de dinheiro para a condução e tudo o que passa os que ganham menos. No cursinho obteve uma bolsa integral em troca de prestação de serviços para a escola, o que facilitava um pouco.
Após algumas tentativas, passou no vestibular para ciências biológicas na UNB, em Brasília. Mas logo abandonou o curso e foi morar em Belo Horizonte, onde passou em medicina na Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Para sobreviver em Belo Horizonte, João Bosco teve que trabalhar, dando aulas como plantonista, no Colégio Pitágoras. Esse dinheiro era usado para pagar a pensão onde morava. Para se alimentar, trabalhava um dia por semana no Banco de Sangue da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte. Conseguiu ingressar no programa de Crédito Educativo, o que facilitou seus estudos na faculdade.
Na faculdade, participou de movimentos estudantis e da fundação de um núcleo de estudantes petistas. Isso criou atritos tanto na Santa Casa quanto na própria faculdade, pois era época da ditadura militar e esses movimentos eram vistos como subversivos. Chegou a ser demitido dos dois empregos por causa de sua atuação nesses movimentos. Para sobreviver arrumou outro emprego no Banco de Sangue do Hospital Evangélico de Belo Horizonte e durante dois anos dividiu com a irmã Virginia o bandeijão a que ela tinha direito na faculdade onde estudava enfermagem. Ainda por causa desse envolvimento político, um diretor da faculdade entrou em contato com seu pai, para denunciá-lo e para comunicar sua expulsão do curso de medicina. O pai ficou do seu lado, lhe dando total apoio e segurança para prosseguir nos seus propósitos. O processo de expulsão só não avançou porque os estudantes classificaram o fato como cerceamento da liberdade de expressão, organização e manifestação política, se mobilizaram buscando apoio de vários partidos políticos para o enfrentamento e o processo acabou sendo arquivado.
Terminado o curso de medicina, João Bosco fez residência em medicina interna na Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, onde teve muito contato com casos ligados a cardiopatias, daí seu interesse com o que faz hoje. Depois, fez medicina intensiva, também ligada à cardiologia. Posteriormente fez ergometria, importante na arte do diagnóstico, prognóstico e acompanhamento das doenças coronarianas. Foi, principalmente, a lida com doentes graves, particularmente aquelas com urgências coronarianas, que o tornou conhecido em Teixeira de Freitas e região.
Medicina e política
Em 1988, já formado e estabilizado na cidade de Vespasiano, Minas Gerais, foi candidato a prefeito pelo PT. Não foi eleito e foi perdendo sua identidade profissional, passando a ser visto como prestador de favores, o que não é de todo ruim, mas a medicina é o seu meio de vida, uma profissão da qual tira o sustento da família. Como havia sido demitido do hospital onde trabalhava e da Prefeitura da cidade por perseguição política, ficou praticamente sem condição de sobreviver e trabalhar lá. Por isso, mudou-se para Timóteo/MG, em 1990, e lá trabalhou por um ano, com fitoterapia, catalogando e estudando plantas medicinais e trabalhando com medicina natural junto às comunidades, num projeto da prefeitura.
Considera esse período uma referência muito boa na sua vida profissional. Hoje, João Bosco tem certeza de que qualquer que fosse a profissão abraçada, inclusive, engenharia civil, teria se saído bem. “O que determina a qualidade de um profissional é a dedicação, o respeito pelas pessoas com quem se convive, sem abrir mão de princípios e valores”, diz João.
Prova disso, foi a maneira como se saiu bem como administrador, sem ter formação para tal. Durante algum tempo foi auditor e diretor financeiro da Unimed Extremo Sul, depois presidente. Assumiu cargo de vice-presidente da Federação das Unimeds da Bahia e representação junto a Unimed do Brasil. Foi fundador e o primeiro presidente da Associação Médica de Teixeira de Freitas e ajudou a montar o Hospital São Paulo, também em Teixeira de Freitas. Em 1991 voltou a morar em Vespasiano, mas trabalhava no CTI da Santa Casa de Misericórdia em Belo Horizonte.
Em 1992, veio passar férias no Extremo Sul da Bahia e aproveitou para visitar dois irmãos, Luiz Augusto e Júlio César que moravam aqui. Ao conhecer o Hospital Sobrasa, numa conversa com dona Mariinha, descobriu que havia uma grande carência de profissionais na área de cardiologia em toda a região e decidiu vir trabalhar aqui, com um sonho de implantar uma Centro de Tratamento Intensivo (CTI). Em poucos meses descobriu a impossibilidade do seu projeto, principalmente, por falta de material humano. Sempre incentivou a vinda de mais cardiologistas para Teixeira de Freitas, pois só assim será possível a implantação da tão sonhada CTI, que prestará serviços a toda a comunidade regional.
João Bosco ficou durante quase 10 anos se firmando apenas como médico, sem nenhuma ligação direta com política partidária. Quando alguns dirigentes do Partido dos Trabalhadores de Teixeira de Freitas descobriram sua história, seu passado político de esquerda, sua luta pela redemocratização do país, fez renascer seus anseios políticos.
Participou ativamente da Campanha de Lula em 2002, foi candidato a prefeito em 2004 e candidato a deputado estadual em 2006. Não se elegeu, mas surpreendeu pelo enorme crescimento do seu nome no cenário político local e regional. Fato comprovado com a vitória no último dia 7 de outubro, quando conquistou a Prefeitura de Teixeira de Freitas com quase 12 mil votos a frente do principal concorrente, Temóteo Brito.
Hoje, João Bosco presta seus serviços como diretor financeiro da Unimed, como cardiologista no Hospital São Paulo e na Clínica São Lucas e é vice-presidente da Federação das Unimeds da Bahia.
Casamento e filhos
João Bosco considera o casamento um acontecimento fantástico na vida de uma pessoa; e família um sonho para a vida toda. Sempre sonhou com os filhos criados e vindo visitá-lo, enchendo a casa de netos. Tem três filhos: Leonardo (16 anos), André (15 anos) e Joana (7 anos) [idades na época da entrevista]. Num determinado momento o casamento foi interrompido, e o maior sofrimento foi conseguir a guarda dos filhos. A segurança de educar os filhos lhe deu muita tranquilidade. Estimula o bom relacionamento dos filhos com a mãe, pois acha que a referência dos pais é muito importante para o desenvolvimento deles.
Todo esse conflito da separação e guarda dos filhos aconteceu no início da campanha política para prefeito em 2004, o que tornou tudo muito mais difícil. A campanha deixaria expostos tanto ele quanto seus filhos, que ainda eram muito crianças. Mas, quando um jornal de Teixeira abordou a sua separação de maneira que ele considera nada ética e buscando proveito político, João Bosco não teve dúvidas, conversou com os filhos e mostrou que problemas tão pessoais poderiam ser utilizados para promover seu desgaste político e que os filhos fatalmente também seriam penalizados. Claro que Joana ficou fora dessa conversa, mas os dois maiores tiveram uma postura de gente grande. Assim, enfrentou tudo com o apoio das crianças. Leonardo e André estiveram presentes ao seu lado em quase todos os comícios e Joana foi sua grande companheira durante toda a campanha política.
Tem uma relação aberta com os filhos, mas sabe impor limites se necessário. “Quase tudo se resolve numa conversa franca onde o exemplo e o amor são a fórmula perfeita para se educar”, diz. Claro que pensa em se casar novamente. Porém, a pessoa terá que amar seus filhos muito mais que a ele próprio. E terá que conquistar o amor deles também. Seu sonho de uma família unida, de um casamento para sempre, ainda persiste.
A vida social de Dr. João Bosco tem se resumido a visitas na periferia, fazendo trabalho de conscientização através de palestras educativas. Nesses dois anos após a eleição para prefeito, tem feito reuniões, falado de saúde preventiva, junto às comunidades de bairros, da zona rural inclusive de outros municípios do Extremo Sul.
Vocação de Teixeira de Freitas e virada política na Bahia
Segundo João Bosco, Teixeira de Freitas, como toda cidade jovem, tem uma população empreendedora que gosta de desafios. É uma cidade inquieta. A iniciativa privada se desenvolveu muito aqui, porém, o serviço público ainda é muito incipiente. Para que haja crescimento sustentável é preciso que se invista mais em educação em todos os níveis e que os serviços de saúde pública sejam mais estruturados. Isto dá segurança para investidores e para a população, gera empregos e, consequentemente, mais desenvolvimento. A medicina privada se desenvolveu bastante em Teixeira de Freitas, enquanto a saúde pública quase não andou. Os pequenos negócios precisam ser fortalecidos, no campo e na cidade com uma política de recursos financeiros e técnicos envolvendo as instituições de ensino. É preciso estimular e desenvolver o empreendedorismo nas pequenas empresas, aumentando, assim, a classe média da cidade e o poder competitivo do mercado através da distribuição de renda.
“A Bahia tinha uma cultura da enganação, num modelo de gestão que pregava o ‘rouba, mas faz’”, disse João Bosco. “Não se pode educar uma juventude sob esse prisma. O povo cansou disso. Cansou do ‘Carlismo’, da enganação constante, do empobrecimento por falta de uma política de desenvolvimento. O povo oprimido, desrespeitado, reprimido, tomou consciência e reagiu. Foi isso que causou a virada política na Bahia, elegendo Jaques Wagner governador”.
João Bosco adora uma moqueca de surubim acompanhada de uma cervejinha. Mas evita beber, pois a profissão exige lucidez constante. Só o faz em momentos muito especiais ou durante as férias. Sua casa está sempre aberta para receber os amigos. É um fanático torcedor do Cruzeiro Esporte Clube e um atleta de fim de semana, jogando futebol como lateral esquerdo. E como todo atleta que se preze, já operou o menisco. Esse é Dr. João Bosco Bitencourt: médico, político, pai exemplar e atleta do futebol, agora, novo prefeito de Teixeira de Freitas.

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