Com R$ 2,7 bi do BNDES, Eldorado demite cipeiros e usa policiais para espancar e intimidar operários
Enviado por Henrique Reis em qua, 04/04/2012 - 16:20.
R$ 2,7 bilhões do BNDES, recursos públicos, da sociedade brasileira, estão financiando o crime na cidade de Três Lagoas, no interior do Mato Grosso do Sul. Para a construção da “maior fábrica de celulose do mundo”, que enfrenta nestes dias a sua quarta paralisação, a empresa Eldorado se utiliza de métodos medievais. Literalmente.
Seguindo a risca a cartilha deixada por um dos idealizadores do empreendimento, Mário Celso Lopes – já denunciado pela exploração de trabalho escravo -, a Eldorado faz bom uso da impunidade para catapultar seus lucros. Suas ações vão desde a demissão sumária de cipeiros até a utilização de policiais militares com farda e sem farda para reprimir manifestações, espancar operários, montar listas “negras” e até mesmo ameaçar de morte lideranças sindicais.
Isso explica porque, de forma simples e altiva, milhares de trabalhadores da Eldorado, de suas empresas terceirizadas e quarteirizadas, estão dizendo não. Que não aceitam mais tomar a água pestilenta retirada da lagoa pelos mesmos caminhões que carregam esgoto. Que não aceitam mais viver em alojamentos superlotados com problemas de lixo, inundação e insetos. Que não aceitam trabalhar sem receber. Que não aceitam que os acordos sejam solenemente descumpridos. Que exigem equiparação salarial entre as empresas e os mais de 200 CNPJs utilizados para precarizar as relações de trabalho, ludibriando a lei e o direito. Que são homens e não aceitam ser tratados como animais.
Há partes desta história que seriam cômicas, senão fossem trágicas. Entre tantas barbaridades denunciadas ao Ministério Público do Trabalho está a de que “fora prometido, na contratação, que os trabalhadores seriam dispensados para as festas de final de ano no dia 22 de dezembro e que voltariam no quinto dia útil de janeiro. Agora a empresa ‘exige’ que trabalhem normalmente durante o final de ano, prometendo em troca um show da Mulher Melancia”. Infelizmente foi isso o que aconteceu com pessoas que precisam de dias para se deslocar milhares de quilômetros até seus lares. O show encontra-se no youtube.
Luiz Carlos de Barros Sales, de 50 anos, e José da Conceição dos Santos Júnior, operários da construção e membros eleitos da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) foram demitidos sumariamente da Paranasa Engenharia, subcontratada da Eldorado, após serem acusados de “liderar movimento grevista”.
Eleito em 11 de outubro para a Cipa, Luiz Carlos lembra que, mesmo sendo trabalhador dedicado, foi mandado embora “como um qualquer, sem satisfação nenhuma”. “Minha intimação chegou no sábado, 28 de janeiro. Foi recebida pela minha filha de 15 anos, que estava acompanhada por uma menina de 8 anos. Ela me ligou e disse: Pai, tem um monte de camburão aqui e os policiais estão armados até os dentes, acompanhados de um oficial de justiça. No que foi que o senhor se meteu?”. O questionamento da filha era mais do que procedente. Conforme os vizinhos, eram muitos policiais e cinco viaturas: três da Polícia Militar e duas da Polícia Civil.
DIGNIDADE MULTADA
E o que dizia a intimação? Obrigava os cipeiros Luiz Carlos e José da Conceição, bem como outros trabalhadores identificados como “instigadores” da mobilização por direitos, a pagar uma multa diária de R$ 2.000,00 (dois mil reais), durante um máximo de cem dias, caso não obedecessem a ordem assinada pelo juiz Tomás Bawden de Castro Silva. “Fiquei louco”, relata Luiz Carlos. “Afinal, onde é que eu ia arrumar duzentos mil reais?”. Sobre os motivos que levaram à organização do protesto, explica: “foi o deslocamento a pé até o local do almoço, pois era o segundo dia que o ônibus não vinha e tínhamos de caminhar dois quilômetros para ir e dois para voltar ao trabalho”. “A isso se somou o fato de que muitas horas extras não eram pagas, que descontavam faltas sem termos faltado, e de que o pagamento era sempre uma surpresa, pois o holerite não correspondia à realidade”, frisou.
E no caso de Luiz Carlos a intimação foi recebida pela filha menor de idade, na casa de José da Conceição recaiu sobre a tia analfabeta, visivelmente constrangida pelo desconhecimento do teor daquele papel somado ao forte aparato policial.
“Seis horas da manhã me ligaram. Sai que a polícia está indo atrás de você. Vim do Nordeste para morar na casa da minha tia, que mora aqui há mais de 30 anos. Ela criou quatro filhos e nunca havia tido este tipo de desgosto. Parecia que era eu o bandido e não a empresa que trata os trabalhadores de forma desumana”. De acordo com José da Conceição, “o movimento só ocorreu porque fomos obrigados a caminhar quatro quilômetros, após termos ficado sem ônibus, tendo apenas uma hora de almoço e voltar a trabalhar de novo. Quisemos conversar e eles trancaram a porta. O pessoal fez greve”.
Nas mobilizações, denunciou, “tiros atingiram as pernas e as costas dos trabalhadores. Um foi atingido na cabeça. Teve gente internada. Nos trataram como bandidos”. E concluiu: “o tratamento dado pela Eldorado é desumano”.
A advogada Jackeline Torres de Lima afirma que a demissão dos cipeiros é uma conduta “totalmente ilegal”, que agride a Constituição. “Eu disse para a empresa que não podia demitir cipeiro, mas eles disseram que não adianta, que não iam reintegrar. Então, a única maneira é buscar uma reparação material. Mexendo no bolso, com uma boa indenização, talvez as empresas tomem consciência”. Infelizmente, acrescentou, esta é a realidade de muitos operários na localidade: “trabalham dez, doze horas por dia, sem o pagamento de horas extras, com salário atrasado, e os alojamentos em péssimas condições”.
Jackeline destacou a “responsabilidade da Eldorado, pois o projeto é dela”. Questionada sobre a existência de mais de 200 CNPJs dentro do empreendimento, a advogada denuncia que esta é uma forma encontrada pelas empresas subcontratadas pela Eldorado para que o trabalhador não consiga resgatar o dinheiro a que tem direito na rescisão contratual.
Para Webergton Sudário da Silva (Corumbá), presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário do MS (Fetricom), a Eldorado extrapolou todos os limites possíveis e imagináveis da ilegalidade, confiando na impunidade e na morosidade da Justiça. “Isso precisa ter um fim. Temos um compromisso nacional da construção assinado por governo, empresários e trabalhadores, mas que continua sendo desrespeitado. No caso da Eldorado o desrespeito vai além, agride a legislação, a Constituição, usam e abusam da força para impor as suas vontades. Defendemos que o governo atue, fiscalize a autue, pois o tratamento dispensado aos trabalhadores é de escravos modernos. Não vamos aceitar tamanha truculência e desumanidade”, declarou.
Membro da executiva da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e da Madeira (Conticom/CUT), Valdemir Oliveira (Popó), salientou que é inadmissível que grandes empreendimentos como o da Eldorado continuem sendo turbinados com recursos públicos sem que haja contrapartidas sociais bastante claras. “Desde o início dos megaempreendimentos a Conticom tem batido nesta tecla: contrapartidas sociais. Além disso, temos defendido um contrato coletivo nacional com equiparação salarial entre as regiões, com pisos salariais decentes e à altura do volume de recursos que as empresas estão ganhando. Também reivindicamos um patamar mínimo de direitos. Nossas mobilizações e paralisações são para que sejamos ouvidos. As greves são o eco do nosso protesto e da nossa indignação”, concluiu.
Por: CUT
Seguindo a risca a cartilha deixada por um dos idealizadores do empreendimento, Mário Celso Lopes – já denunciado pela exploração de trabalho escravo -, a Eldorado faz bom uso da impunidade para catapultar seus lucros. Suas ações vão desde a demissão sumária de cipeiros até a utilização de policiais militares com farda e sem farda para reprimir manifestações, espancar operários, montar listas “negras” e até mesmo ameaçar de morte lideranças sindicais.
Isso explica porque, de forma simples e altiva, milhares de trabalhadores da Eldorado, de suas empresas terceirizadas e quarteirizadas, estão dizendo não. Que não aceitam mais tomar a água pestilenta retirada da lagoa pelos mesmos caminhões que carregam esgoto. Que não aceitam mais viver em alojamentos superlotados com problemas de lixo, inundação e insetos. Que não aceitam trabalhar sem receber. Que não aceitam que os acordos sejam solenemente descumpridos. Que exigem equiparação salarial entre as empresas e os mais de 200 CNPJs utilizados para precarizar as relações de trabalho, ludibriando a lei e o direito. Que são homens e não aceitam ser tratados como animais.
Há partes desta história que seriam cômicas, senão fossem trágicas. Entre tantas barbaridades denunciadas ao Ministério Público do Trabalho está a de que “fora prometido, na contratação, que os trabalhadores seriam dispensados para as festas de final de ano no dia 22 de dezembro e que voltariam no quinto dia útil de janeiro. Agora a empresa ‘exige’ que trabalhem normalmente durante o final de ano, prometendo em troca um show da Mulher Melancia”. Infelizmente foi isso o que aconteceu com pessoas que precisam de dias para se deslocar milhares de quilômetros até seus lares. O show encontra-se no youtube.
Luiz Carlos de Barros Sales, de 50 anos, e José da Conceição dos Santos Júnior, operários da construção e membros eleitos da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) foram demitidos sumariamente da Paranasa Engenharia, subcontratada da Eldorado, após serem acusados de “liderar movimento grevista”.
Eleito em 11 de outubro para a Cipa, Luiz Carlos lembra que, mesmo sendo trabalhador dedicado, foi mandado embora “como um qualquer, sem satisfação nenhuma”. “Minha intimação chegou no sábado, 28 de janeiro. Foi recebida pela minha filha de 15 anos, que estava acompanhada por uma menina de 8 anos. Ela me ligou e disse: Pai, tem um monte de camburão aqui e os policiais estão armados até os dentes, acompanhados de um oficial de justiça. No que foi que o senhor se meteu?”. O questionamento da filha era mais do que procedente. Conforme os vizinhos, eram muitos policiais e cinco viaturas: três da Polícia Militar e duas da Polícia Civil.
DIGNIDADE MULTADA
E o que dizia a intimação? Obrigava os cipeiros Luiz Carlos e José da Conceição, bem como outros trabalhadores identificados como “instigadores” da mobilização por direitos, a pagar uma multa diária de R$ 2.000,00 (dois mil reais), durante um máximo de cem dias, caso não obedecessem a ordem assinada pelo juiz Tomás Bawden de Castro Silva. “Fiquei louco”, relata Luiz Carlos. “Afinal, onde é que eu ia arrumar duzentos mil reais?”. Sobre os motivos que levaram à organização do protesto, explica: “foi o deslocamento a pé até o local do almoço, pois era o segundo dia que o ônibus não vinha e tínhamos de caminhar dois quilômetros para ir e dois para voltar ao trabalho”. “A isso se somou o fato de que muitas horas extras não eram pagas, que descontavam faltas sem termos faltado, e de que o pagamento era sempre uma surpresa, pois o holerite não correspondia à realidade”, frisou.
E no caso de Luiz Carlos a intimação foi recebida pela filha menor de idade, na casa de José da Conceição recaiu sobre a tia analfabeta, visivelmente constrangida pelo desconhecimento do teor daquele papel somado ao forte aparato policial.
“Seis horas da manhã me ligaram. Sai que a polícia está indo atrás de você. Vim do Nordeste para morar na casa da minha tia, que mora aqui há mais de 30 anos. Ela criou quatro filhos e nunca havia tido este tipo de desgosto. Parecia que era eu o bandido e não a empresa que trata os trabalhadores de forma desumana”. De acordo com José da Conceição, “o movimento só ocorreu porque fomos obrigados a caminhar quatro quilômetros, após termos ficado sem ônibus, tendo apenas uma hora de almoço e voltar a trabalhar de novo. Quisemos conversar e eles trancaram a porta. O pessoal fez greve”.
Nas mobilizações, denunciou, “tiros atingiram as pernas e as costas dos trabalhadores. Um foi atingido na cabeça. Teve gente internada. Nos trataram como bandidos”. E concluiu: “o tratamento dado pela Eldorado é desumano”.
A advogada Jackeline Torres de Lima afirma que a demissão dos cipeiros é uma conduta “totalmente ilegal”, que agride a Constituição. “Eu disse para a empresa que não podia demitir cipeiro, mas eles disseram que não adianta, que não iam reintegrar. Então, a única maneira é buscar uma reparação material. Mexendo no bolso, com uma boa indenização, talvez as empresas tomem consciência”. Infelizmente, acrescentou, esta é a realidade de muitos operários na localidade: “trabalham dez, doze horas por dia, sem o pagamento de horas extras, com salário atrasado, e os alojamentos em péssimas condições”.
Jackeline destacou a “responsabilidade da Eldorado, pois o projeto é dela”. Questionada sobre a existência de mais de 200 CNPJs dentro do empreendimento, a advogada denuncia que esta é uma forma encontrada pelas empresas subcontratadas pela Eldorado para que o trabalhador não consiga resgatar o dinheiro a que tem direito na rescisão contratual.
Para Webergton Sudário da Silva (Corumbá), presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário do MS (Fetricom), a Eldorado extrapolou todos os limites possíveis e imagináveis da ilegalidade, confiando na impunidade e na morosidade da Justiça. “Isso precisa ter um fim. Temos um compromisso nacional da construção assinado por governo, empresários e trabalhadores, mas que continua sendo desrespeitado. No caso da Eldorado o desrespeito vai além, agride a legislação, a Constituição, usam e abusam da força para impor as suas vontades. Defendemos que o governo atue, fiscalize a autue, pois o tratamento dispensado aos trabalhadores é de escravos modernos. Não vamos aceitar tamanha truculência e desumanidade”, declarou.
Membro da executiva da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e da Madeira (Conticom/CUT), Valdemir Oliveira (Popó), salientou que é inadmissível que grandes empreendimentos como o da Eldorado continuem sendo turbinados com recursos públicos sem que haja contrapartidas sociais bastante claras. “Desde o início dos megaempreendimentos a Conticom tem batido nesta tecla: contrapartidas sociais. Além disso, temos defendido um contrato coletivo nacional com equiparação salarial entre as regiões, com pisos salariais decentes e à altura do volume de recursos que as empresas estão ganhando. Também reivindicamos um patamar mínimo de direitos. Nossas mobilizações e paralisações são para que sejamos ouvidos. As greves são o eco do nosso protesto e da nossa indignação”, concluiu.
Por: CUT
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